Na década de 70, a Usina Manoel
Costa Filho, instalada em Barbalha, enfrentava problema com o pequeno
fornecimento de cana. Seu parque
industrial produzia abaixo da capacidade porque os plantadores preferiam
fabricar rapadura ou aguardente a vender sua matéria prima.
O jornalista Antônio Vicelmo,
líder de audiência na região do Cariri, que ainda hoje comanda o noticiário de
maior credibilidade em todo Sul do Ceará, foi contratado para levar adiante
campanha publicitária visando convencer os agricultores se tornarem
fornecedores da usina.
Além dos anúncios nas rádios,
Vicelmo planejou cordel enaltecendo os
benefícios que aquela indústria trazia para a Região e as vantagens que os
plantadores de cana teriam vendendo sua cana de açucar. Para o cordel pensou logo no nome de Patativa
do Assaré. Naquela época o poeta já era nome consagrado, respeitadíssimo pelo
Sertanejo e, porque não dizer, amado pelo seu povo. Apesar da fama, vivia com dificuldades
financeiras, no limite da pobreza.
Vicelmo , por ter entrevistado
várias vezes Patativa, ter noticiado os lançamentos dos seus livros, divulgado
sua poesia e pelo vínculo de amizade, achou que a tarefa seria fácil, ainda
mais que os usineiros haviam disponibilizado uma boa quantia, uma verdadeira “loteria”
para remunerar o trabalho do poeta de Assaré.
O radialista deslocou-se até
Assaré confiante no êxito da missão. Chegando na casa de Patativa e vendo a
pobreza em volta, seu otimismo aumentou. Jamais pensou receber um não. Pois foi o que aconteceu. Patativa ouviu atentamente a proposta de Vicelmo, entendeu a oferta de recompensa financeira, mas recusou explicando que 40 anos antes havia feito a poesia “Ingém de Ferro”, e o pedido da Usina significava exatamente o contrário do que ele expressara em versos. Sua consciência não ficaria em paz se produzisse algo no sentido oposto. Seria traição pura.
Vicelmo retornou ao Crato deprimido, esmagado pela força moral e dignidade de Patativa do Assaré. Viu que existiam Homens que não se vendem.
Ingém de Ferro
Ingém de ferro, você
Com seu amigo motô,
Sabe bem desenvorvê,
É munto trabaiadô.
Arguém já me disse até
E afirmô que você é
Progressista em alto grau;
Tem força e tem energia,
Mas não tem a poesia
Que tem um ingém de pau.
O ingém de pau quando canta,
Tudo lhe presta atenção,
Parece que as coisa santa
Chega em nosso coração.
Mas você, ingém de ferro,
Com este horroroso berro,
É como quem qué brigá,
Com a sua grande afronta
Você tá tomando conta
De todos canaviá.
Do bom tempo que se foi
Faz mangofa, zomba, escarra.
Foi quem espursou os boi
Que puxava na manjarra.
Todo soberbo e sisudo,
Qué governá e mandá tudo,
É só quem qué sê ingém.
Você pode tê grandeza
E pode fazê riqueza,
Mas eu não lhe quero bem.
Mode esta suberba sua
Ninguém vê mais nas muage,
Nas bela noite de lua,
Aquela camaradage
De todos trabaiadô.
Um falando em seu amô
Outro dizendo uma rima,
Na mais doce brincadêra,
Deitado na bagacêra,
Tudo de papo pra cima.
Esse tempo que passô
Tão bom e tão divertido,
Foi você quem acabô,
Esguerado, esgalamido!
Come,come interessêro!
Lá dos confim do estrangêro,
Com seu baruio indecente,
Você vem todo prevesso,
Com históra de progresso,
Mode dá desgosto a gente!
Ingém de ferro, eu não quero
Abatê sua grandeza,
Mas eu não lhe considero
Como coisa de beleza,
Eu nunca lhe achei bonito,
Sempre lhe achei esquesito,
Orguioso e munto mau.
Até mesmo a rapadura
Não tem aquela doçura
Do tempo do ingém de pau.
Ingém de pau! Coitadinho!
Ficou no triste abandono
E você, você sozinho
Hoje é quem tá sendo dono
Das cana do meu país.
Derne o momento infeliz
Que o ingém de pau levou fim,
Eu sinto sem piedade
Três moenda de sodade
Ringindo dentro de mim.
Nunca mais tive prazê
Com muage neste mundo
E o causadô de eu vivê
Como um pobre vagabundo,
Pezaroso, triste e pérro,
Foi você, ingém de ferro,
Seu safado, seu ladrão1
Você me dexô à toa,
Robou as coisinha boa
Que eu tinha em meu coração!
Um comentário:
Maravilha!
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