por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 10 de novembro de 2012

Leilões

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Na novela “Gabriela”, recém reapresentada na TV brasileira, numa adaptação do Romance do nosso centenário Jorge Amado, há uma cena típica da época retratada : a Ilhéus dos anos 20.   Ina, uma quenga novinha, cheirando a cueiro, tem sua estréia de gala no Bataclã, quando sua virgindade é posta em leilão pela cafetina Maria Machadão, expondo-a aos esfaimados coronéis baianos do ciclo do cacau. Pareciam imagens típicas de um período pretérito, aqueles tempos em que o casamento era uma mera instituição burocrática, uma fábrica de fazer herdeiros e manter o patrimônio das famílias mais abastadas; sem nenhuma ligação com os prazeres de alcova, geralmente procurados pelos homens, nos cabarés,  junto às profissionais do ramo. Hímen, então, era apêndice de luxo, guardado e velado a sete chaves; passível de, roto, impelir pessoas aos crimes mais hediondos. A preservação quase que doentia desta película, inclusive, precede ao cristianismo e à pretensa virgindade de Maria. Gregos, Fenícios e Romanos  vigiavam as fronteiras sexuais das suas moças, mais que os muros dos seus castelos.
                                               Nas últimas décadas, no entanto, aparentemente, a virgindade viu esvair-se   sua importância. A iniciação sexual dos jovens tem começado cada dia mais precocemente e ninguém mais se preocupa com essa história de selo. Os meninos se queixam , inclusive, que é um saco, que dá trabalho, que atrapalha. E , mais, deixou de ser condição sine qua non no casamento, ninguém se encuca mais com a inauguração, com o invicto, com quem primeiro passou pela porta da loja, mas sim com o conteúdo do estabelecimento. Virgindade,  de virtude,  passou a ser démodé, brega, a cheirar a mofo e a cafonice.
                                               A  notícia que invadiu a imprensa, nos últimos meses, pois, parece , no mínimo, estranha.  Catarina Magliorine , uma linda catarinense de vinte anos, resolveu leiloar sua virgindade, na internet. Existe, inclusive, um site especializado neste leilão eletrônico e se chama “Virgins Wanted”. Na última quarta –feira , um japonês ( o Coronel Jesuíno do momento ) viu o martelo bater e arrematou a prenda por , nada mais-nada menos ,que um e meio milhões de reais. O Bataclã do Século XXI será instalado em um avião e a lua de mel acontecerá num vôo entre a Austrália e os Estados Unidos.
                                               Nesta semana, ainda, noticiou-se, Brasil a fora,  uma outra calamidade. No município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, na fronteira com a Colômbia, a virgindade de meninas índias é comprada por um Celular, uma peça de roupa, uma caixa de chocolate ou por R$ 20,00. Existe todo um esquema criminoso envolvendo comerciantes locais, militares, motoristas  e até políticos no aliciamento de menores.
                                               Reflitamos um pouco sobre estas questões. Os casos do Amazonas não são tão diferentes do Bataclã do nosso Jorge Amado. Crianças são levadas à prostituição por mero instinto de sobrevivência . Já a nossa Catarina expõe-se, publicamente,  num leilão,  na busca desvairada pelo sangri-lá do consumo, inseto que já ferroou, inclusive, as nossas indiazinhas que se entregam , às vezes, por roupas de marca. A virgindade, talvez, pela raridade nos dias de hoje, volta a encantar . Se ontem mantinha seu infinito valor por conta da dificuldade em ser defenestrada, hoje reassume os valores de outrora, pouco a pouco, por vir se tornando um objeto em franco processo de extinção. O japonês e os meliantes do Amazonas compram-na , a preço de mercado, com a mesma sanha de um colecionador que adquire um Renoir para exibi-lo como parte da sua coleção. Nenhum dos dois tem qualquer amor à arte, fazem-no com a simples intenção de se mostrar para outros membros da sociedade, de pousar de bacana. Só. 
                               Como se vê, a história dos nossos costumes parece  andar em círculos. De repente, a virgindade volta a entrar em foco, a prostituição que se pensava seriamente ameaçada pela liberalidade sexual, reacende seu vigor; claro que com nuances e tonalidades diferentes. O imutável é apenas a Lei Internacional da Supremacia dos Poderosos sobre os Desafortunados. Continuamos numa mesma sociedade de castas, onde tudo está posto num balcão de negociação, tudo !  Dinheiro e poder compram tudo : amor verdadeiro, como dizia Nélson Rodrigues; beleza; santidade; reputação; saúde. Por enquanto,  apenas a morte ainda não entrou no processo de licitação, mas seu adiamento, sim.  A honra , neste mercado, vale alguma coisa entre o meio milhão de Catarina à caixa de chocolate das indiazinhas do Amazonas. 

J. Flávio Vieira

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