A identidade de Luiz Gonzaga com o
Nordeste e, principalmente, com a terra que o viu nascer, o torna
indubitavelmente o maior símbolo do sertão. Luiz Gonzaga é a expressão mais
viva e autêntica do homem sertanejo, de sua vida e de seus costumes. A sua obra
é um patrimônio que transcende as fronteiras de Exu, no sertão de Pernambuco,
para atingir toda uma Nação, além de constituir-se num documento histórico de
significado inconteste, no momento em que registra os sentimentos e a alma
dessa gente simples e sofrida da terra nordestina. Luiz Gonzaga é o sertão em
corpo e alma. Como já disse o renomado mestre e folclorista Luis da Câmara
Cascudo, "Luiz Gonzaga é um documento da cultura popular. Autoridade da
lembrança e idoneidade da convivência. A paisagem pernambucana, águas, matos,
caminhos, silêncio, gente viva e morta. Tempos idos nas povoações sentimentais
voltam a viver, cantar e sofrer quando ele põe os dedos no teclado da sanfona
de feitiço e de recordação". Luiz é uma bandeira do sertão nordestino que
tremula no Brasil inteiro, no momento em que ele faz gemer os 120 baixos de sua
sanfona branca. Uma sanfona mágica, de esperanças e recordações.
Luiz Gonzaga é a imagem do retirante nordestino, que foge da terra seca e
exaurida pelo sol causticante da caatinga, deixando para sempre o seu tão pobre
e querido torrão natal. Do retirante que vende tudo o que tem, que joga a
família em um pau-de-arara e parte rumo ao Sul na busca ilusória de melhores
dias. Luiz é o sertanejo que planta, replanta e não perde as esperanças de um
bom Inverno. É o nortista forte e valente, mas que, chegada a hora de partir,
esquece a sua rudeza nativa e se deixa levar pela emoção. É o caboclo que
chora, quando se sente condenado a deixar o seu pedaço de chão.
Luiz Gonzaga é o vaqueiro das caatingas do Nordeste, de chapéu de couro,
gibão e perneiras, destemido e forte como uma aroeira, que anda no coice da
boiada e corre no carrasco, no marmeleiro fechado ou entre espinhos de
mandacaru no encalço de uma rês desgarrada. É o vaqueiro que laça, derruba e
domina uma rês enfezada. É o vaqueiro afamado e bom de campo que arranca
aplausos da multidão nas festas de vaquejada quando, ligeiro como um corisco,
derruba o boi mandingueiro e cobre a pista de poeira. Que acorda antes do sol e
sai para o campo ainda de madrugada, que almoça farinha com rapadura, que bebe
da água represada nas lagoas e que toma cachaça no chocalho. Luiz Gonzaga é o
vaqueiro que, no cansaço da luta, descansa à sombra de uma barriguda e que, no
fim do dia, junta o gado, sacode o pó do marmeleiro e vai para junto do seu
bem.
Luiz Gonzaga é o caboclo da roça, homem simples e trabalhador, que
acredita no canto agourento da acauã chamando a seca, no canto triste do
vim-vim e na profecia do pássaro carão, que quando solta o seu canto é sinal de
muita chuva no sertão. É o caboclo esquecido, de mãos grossas e calejadas e que
traz o rosto marcado pela vida árdua do campo. É o roceiro que faz experiências
com as pedras de sal, que espera ansioso pela barra do sol no dia de Natal e
que só se convence da seca quando vê passar sem chover o dia de São José, o
santo de sua devoção.
Luiz Gonzaga é o sertanejo de fé, que reza por uma chuva e pede a Deus
pra não ter seca, que faz promessa ao Padim Ciço pra se curar de uma doença e
que vai para as missões pedir uma bênção a frei Damião. É o caboclo que nasceu
na caatinga e que dali não quer sair, porque para ele não existe lugar melhor.
É ali que está enterrado o seu umbigo e é neste mesmo chão que ele quer morrer.
Ser enterrado à sombra de um velho umbuzeiro, vestido de vaqueiro e com uma
cruz de madeira amarrada com cipó, no meio da caatinga onde tanto aboiou e
onde, infelizmente, o seu grito de aboio ficará para sempre esquecido.
Luiz Gonzaga é o morador de pé-de-serra, que trabalha de sol a sol
durante toda a semana, mas que não abre mão de um samba de latada com o chão de
barro batido e a luz mortiça do candeeiro, onde triângulo, zabumba e uma
sanfona de oito baixos comandam a alegria. Um forrozinho onde a cabroeira
brinca, dança e se diverte, enquanto a poeira sobe e o tocador, animado, vai
castigando a sua concertina.
É o caboclo reimoso, esperto, brincalhão e prosista, com muitas estórias
engraçadas para nos contar, com aquela maneira que lhe é particular.
Luiz Gonzaga é o caminho que nos traz de volta aos pés-de-serra do sertão
nordestino através de xotes, baiões e toadas que tão bem retratam a nossa
terra. Luiz é a energia que mantém viva em cada retirante a lembrança do seu
longínquo sertão e a esperança derradeira de um dia ainda voltar para ele.
Luiz Gonzaga é tudo aquilo que emana do sertão. É a expressão de uma
terra pobre e sofrida, ora seca e triste, ora verde e alegre. De uma terra
esquecida e castigada, mas infinitamente bonita pela pureza de sua gente.
Luiz Gonzaga é a Asa Branca que volta correndo para o sertão quando ouve
o ronco das primeiras trovoadas; é o cheiro gostoso da terra molhada; é o
juazeiro com o seu eterno verde esperança; a peitica que, na copa do umbuzeiro,
canta alegre com a chegada do inverno; é o riacho que corre vorazmente,
arrastando árvores com as águas da primeira chuva; é o açude que sangra após
anos de seca; é um fole velho gemendo numa palhoça, alegrando o São João na
roça; é a rama verde da gitirana que, quando nasce, faz renascer o sertão.
Luiz Gonzaga é o filho de Januário que nasceu em Exu, em pleno sertão
pernambucano, nas terras dos Alencar, e que aprendeu com o pai a puxada da
sanfona. Luiz é aquele moleque que fugiu de casa em 1930, para tornar-se, um
dia, o grande e insuperável Rei do Baião. Luiz Gonzaga é o sanfoneiro do Riacho
da Brígida, de rosto redondo e riso largo, que deixou o sertão do Araripe para
ser o dono de um reinado que não tem fim, posto que, o seu canto é eterno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário