Matozinho sempre foi antenada com as novidades mundo afora. Nos
primórdios da sua história, elas chegavam através dos tropeiros e
caixeiros-viajantes. Eles eram esperados na cidade ansiosamente e traziam
consigo não só suas quinquilharias, mas também
a moda e costumes da capital.
Nesta época a Vila ligava-se ao mundo por trilhas varadas apenas por animais de
carga. Com o tempo, foram melhorando os meios de transporte e os caminhoneiros receberam
a missão que um dia tinha pertencido aos
tropeiros. Os Caixeiros investiram-se de
ares de nobreza e passaram a ser chamados de viajantes e depois Representantes
Comerciais. Com a melhoria do transporte e, mais tarde, a chegada da TV, as
novidades do consumo aportaram em Matorzinho quase que de forma imediata, sem
nenhum delay. Um outro fator importantíssimo na modernização dos costumes da
Vila : o retorno de matozenses que fugindo da seca haviam emigrado para o Sudeste.
Passada a fase de euforia, quando o concreto armado caía por fim nas suas
cabeças, voltavam para sua cidade natal, geralmente contando vantagem, cagando
goma, com a língua trôpega: cravejada de chiados, de “uais” e de “carambas”.
Nesses
dias, aportou em Matorzinho, vindo de “Sum
Paulo”, um desses filhos pródigos : Sonisvaldo Coité. Trabalhara no Sudeste numa infinidade de empregos, até ter
se especializado , finalmente, como garçon. Migrou daí para uma Pizzaria, onde
terminou por se firmar como Pizzarollo, um dos mais consagrados da capital
paulista, segundo sua própria avaliação. Fizera um acordo com a firma e recebeu uma
graninha boa, proporcional aos mais de dez anos que trabalhou por lá na beira
do forno. Vaval , este era o apelido carinhoso que nosso pizzarollo já não
reconhecia, trazia consigo já a determinação de se estabelecer no comércio da
sua cidade natal : vou botar a primeira Pizzaria de toda Grande Matorzinho ,
vaticinou ainda no ônibus, nosso Coité. Mal
desembarcou ,com sua indumentária esdrúxula : botas, gorro do
Corinthians, casacão de frio e um tênis paraguaio espalhafatoso; Vaval encetou
os preparativos para sua empreitada. Sobe rua, desce rua, terminou escolhendo o
ponto que lhe parecia perfeito.
João
do Bozó havia sido proprietário de uma Bodega próximo à praça da Vila que
findou evoluindo naturalmente para um mercadinho e, agora, ostentava o vistoso
nome de : “Supermercado Santa Genoveva”.
Há alguns meses, Bozó providenciara um “puxado” lateral no prédio, pensando
numa ampliação futura das instalações. A idéia empacara e o espaço estava até então inutilizado. Vaval
negociou então o aluguel e encetou os preparativos para a instalação daquela
que seria a pioneira em massas em toda
região. Antes da reforma, já abriu o letreiro no frontispício, em letras
gigantes : “Sonny´s Trattoria” e,
para que o povo não ficasse pensando que ali se vendiam tratores, logo abaixo explicava : “Pizzas”. Como era de se
esperar, o povo acorreu célere em busca
da novidade de Coité e o empreendimento se mostrou um sucesso. Até porque nosso empresário entendeu
rapidamente que precisava adaptar a novidade aos costumes locais. Os sabores
tiveram que ser acrescentados dos quitutes matozenses e aí surgiram as pizzas
de macunzá, de panelada,de manzape, de sarapatel e de sarrabulho. Às tubaínas , também, foi preciso acrescer algumas
bebidas tradicionais como Gingibirra ,
Aluá e garapa de cana. Tirante estas necessárias
adaptações, nada foi mais preciso corrigir para que a “Trattoria” se transformasse num dos empreendimentos de maior
sucesso naquele cafundó do Judas. Vaval , inclusive, estava sonhando em levar
filiais para Bertioga e Serrinha do Nicodemos.
E quem sabe, no futuro, vender franquias da “Sonny´s”
para todo país. Tudo ia tão bem! Mas,
como diz o velho Giba: “ pobre só tem as
coisas até Deus descobrir, aí toma tudo de volta”.
Algumas
questões certamente contribuíram para a tragédia que um dia desabou sobre a “Trattoria”. Primeiro, a proximidade com o Supermercado de Bozó. Era
lá que Vaval se abastecia e por ali não existia prazo de validade de produtos:
enquanto o tapuru não comesse toda a carne e o gorgulho esfarelasse todo feijão,
negociava-se. Mas o ponto crítico de tudo, certamente, foi a introdução no
cardápio, da famosa Pizza de Buchada de
Bode. O lançamento do novo produto foi feito com alarde e , no domingo, a “Trattoria”,
de repente, viu-se apinhada de gente, pronta a degustar a novidade, apresentada
naquele dia com preço promocional. A metade da vila obedeceu aos chamados de
Vaval e degustou a nova iguaria ,de difícil conservação, sofregamente,
acrescida de maionese caseira ( uma outra novidade perigosa trazida pelo
pizzarollo). O certo é que a maionese serviu de estopim e fez explodir a bomba
de bactérias da buchada de Vaval.
Em
poucas minutos, viram-se todos acometidos de uma caganeira universal e
fenomenal. Faltou moita ao redor de duas léguas da pizzaria. Folhas e sabugos
eram disputados à tapa. O velho Antonio Sitó que usava calças presas em
suspensórios, só nesse dia, gastou mais de cinco : baixando e levantando os
elásticos. Negrinho ,mal saía da moita, já pegava novamente a fila. D. Filismina, uma
velhinha esguia, fina que só assovio de sagüi , simplesmente desapareceu. De
tanto ir ao mato encontraram apenas o molhado no chão e o filho dela, ajoelhado
ante a poça , chorava inconsolado : Mãe dissolveu! Mãe dissolveu ! A
família de Juca Caçote estava com o velho de vela na mão, empanzinado há mais
de quinze dias. Quando souberam da catástrofe, correram na pizzaria e trouxeram
um pedacinho da pizza de buchada e fizeram Caçote , in extremis, engolir. De
repente, ouviu-se um murmurejo na barriga do velho e ele começou a se contorcer
como se estivesse com dores de parto. O barulho tomou forças de trovão e ,
subitamente, ele gritou :
---“Valei-me,
meu São Luiz !”
Ouviu-se um
tiro seco, como de um canhão no quartel. Foi um destroço: esgotou-se a fossa,
o homem desentupiu e sarou.
Passados
os dias, as coisas foram voltando ao normal, em Matozinho. Tirante D. Filismina,
não houve baixas. Apenas o velho Sinfrônio
Arnaud preocupava. Há mais de quinze dias permanecia em casa, cabisbaixo e
capiongo. Fora acometido da fininha em grandes proporções, mas aparentemente já
recobrara as forças. A família preocupou-se com o velho. Vaval e Bozó, então,
resolveram fazer-lhe uma visita. Encontraram-no recluso e tristonho , num canto
do quarto escuro. Só com muito esforço conseguiram arrancar dele uma
explicação. O velho foi enfático, estava bem, não mais sentira nada, mas estava
com uma pulga detrás da orelha.
---
O que está acontecendo, Coronel, o Senhor tá doente ainda?
---
Não, seu Vaval, estive quase com passagem na mão, mas já sarei.
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Mas por que anda tão triste, tão jururu ? –pergunta Bozó.
---
Meu filho, é que passei mais de três
dias cagando sem o cu saber. Aí peguei aqui a matutar: com um fiofó ignorante desses, que nem dá
notícia do que tá saindo, se pode lá confiar num diabos desses, rapaz !
---
Confiar como, coronel ? Quis saber Vaval.
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Se inventar de entrar alguma coisa, um fiofó analfabeto desses, será que o
miserável vai dar-se conta ?
J. Flávio Vieira
3 comentários:
Que humor maravilhoso!
Muito divertida e criativa essa história. E o bom é imaginar a cena do povo correndo pras moita.... kkkkkkkkkk
Abraço prá Stela pela paciência da leitura e pelo comentário.
Abraço prá Stela pela paciência da leitura e pelo comentário.
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