Fechado para balanço
Viramos a página de mais uma década. E lá vem aquela fissura danada de se levar tudo à balança, de se esticar a trena, de revolver as gavetas e as estantes e proceder ao balanço geral da firma. Como se a vida da gente fosse uma loja de varejo qualquer, dessas que vendem quinquilharias a preço de um real. Entendo, como Einstein, a relatividade do espaço e do tempo, principalmente em se tratando da nossa delicada física interior. A existência humana é tão complexa que se faz impossível resumi-la numa mera planilha do Excel. Mas resistir quem há-de? Mal percebemos e já o primeiro capítulo desse Século XIX se fecha. Passou em brancas nuvens? Em plácido repouso adormeceu ? Sei que os sinais vitais de uma nação se aferem pela Cultura. Olho para toda uma geração de artistas caririenses e me pergunto: Estamos vivos depois da morte de todos os dias? O pulso ainda pulsa? O coração do Cariri bate ou apanha? Comemos a papa ou continuamos como uma papa em estado de coma? Pois bem, lá vai a opinião de um curioso, um sujeito que tem uma convivência tão próxima com a área artística que, tantas vezes, como a lua, rouba um pouco o brilho dos outros e o reflete como se próprio o fora.
Nestes dez anos produzimos como nunca. Lançaram discos : Abidoral ( “ Bárbara”); Salatiel ( “Contemporâneo”); Pachelly (“Com a palavra as músicas”); Cleivan Paiva; Nacacunda; Zabumbeiros do Cariri; Dr Raiz; Júnior Boca( “Calendário”); Di Freitas; Dihelson Mendonça, Zé Newton Figueiredo ( “De Onde eu Olho” e “A Contrapelo”); Os Irmãos Aniceto; Raniério; Flávio Leandro,;Mané D´Jardim; Lifanco; “Leninha”; D. Augusta Esmeraldo; Munir Chaves; “A Família Linard”; “Os Herdeiros do Rei”;Lúcio Ricardo; Célia Dias; João Nicodemos. Isto apenas para citar alguns. Em literatura, por outro lado, também tivemos um volume de publicação inédito e não há condições de citar todos: Roberto Jamacaru , Émerson Monteiro, Olival Honor, Dr. Raimundo Borges, Dr. Napoleão Tavares, Heitor/Telma Brito, Jurandyr Temóteo, Osvaldo Alves, José do Vale Feitosa, Lupeu, Marcos Leonel, Batista de Lima, Francisco Pedro Oliveira,Valdemar Arraes, João Matias, Raimundo Araújo, Hilário Lucetti e Magérbio Lucena, José Gil, Patativa, Pedro Ernesto, Francisco Salatiel, Padre Ágio, Carlos Eduardo Esmeraldo, José Flávio Vieira, Roberto Marques, José Newton Figueiredo e muitos, muitos outros que não cabem nesse espaço, mas não são menos importantes. A literatura caririense ganhou inclusive , ano passado, o maior prêmio literário do país , com seu escritor Ronaldo Correia de Brito e o romance “Galiléia”. Tivemos, ainda a reedição de um clássico do nosso João Brígido ( “Apontamentos para História do Cariri”) , e de Irineu Pinheiro ( “O Cariri”) pela Fundação Waldemar Alcântara, este último. O cinema nos trouxe ainda Rosemberg e Petrus Cariry, Glauco Vieira, Bola, Hermano Penna e Luiz Carlos Salatiel que continuaram um trabalho profícuo e premiado. A onda auspiciosa não foi diferente nas artes plásticas e na fotografia. E ainda , entre nós, abriu-se a importante janela da Internet, com inúmeros blogs que , numa imensa praça virtual, reúne os mais diversas cabeças caririenses.
Não bastasse tudo isso, vimos parcialmente erguido o nosso Teatro Municipal , a construção do Espaço Cultural da REFESA e a inauguração do Centro Cultural Banco do Nordeste. A TV chegou no Cariri e com programação local! As Mostras de Cultura do SESC injetaram alma nova no nosso cenário e começamos a ver um reflorescer das artes cênicas na nossa região, como não se via desde os anos 50. Temos , hoje, dramaturgos promissores, atores muito talentosos e diretores em franca formação e ascensão. Sem falar no retorno dos Festivais da Canção do Cariri ,que mesmo reacendendo uma chama já um pouco arrefecida e em desuso, terminou mexendo e agitando a galera de todas as idades. A Cultura Popular, também, abriu importantes frestas , conseguiu um apoio estatal bem mais sólido, uma reaproximação visível com a Escola, principalmente depois da regência da Dra. Cláudia Leitão. Acredito, também, que os Editais , surgidos nessa década ,democratizaram de alguma forma as verbas historicamente destinadas à Cultura, embora ainda exista um longo caminho a ser trilhado.
Não consigo, assim, ser tão pessimista com a primeira década deste Século XXI. Andamos ! Se não muito, talvez porque nos faltasse muita força nos pés ou não nos foi dado um amparo maior. Faltou a muleta que nos ajuda a dar os primeiros passos, mas que , também, muitas vezes, nos faz esquecer que já temos asas suficientes para dispensá-la.
E o que se esperaria para esta década que se inicia? Todos têm lá suas aspirações , pois aqui vão algumas das minhas. Os municípios terão uma política cultural definida e sustentável , inclusive contemplando toda a região . As Secretarias de Cultura implementarão seus próprios Editais com fito de democratizar o acesso às verbas de forma mais técnica. A Escola e a Universidade fitarão o próprio umbigo e descobrirão a Cultura Universal a partir da regional e não o inverso, como antigamente vinha ocorrendo. Nossas rádios e TV´s tocarão os artistas e compositores caririenses e eles não mais serão denominados de “artistas da terra” como se minhocas fossem. Reeditaremos nossos clássicos, hoje totalmente esgotados : “Efemérides do Cariri”, os incontáveis de J. de Figueiredo, Zuza da Botica, Quixadá Felício, Padre Antonio Gomes. Publicaremos uma Edição Fac-Similar completa do Jornal “O Araripe” e um CD-ROM para consulta. Enfeixaremos nossas fotos antigas em um CD-ROM, com a história fotográfica comentada da cidade. A Coleção completa da Revista Itaytera será disponibilizada na Internet para acesso fácil por quem assim o desejar. O Crato organizará uma Bienal do Livro. Nosso teatro municipal será, finalmente, inaugurado com som, cortina e iluminação e funcionará como Cine/Teatro e não como auditório. O intercâmbio dos artistas nacionais e regionais será de ida e volta. Abaixo o colonialismo rasteiro e institucional! A REFESA e o Cine/Teatro terão um calendário de eventos anual, englobando as mais diversas formas de arte. As Secretárias de Cultura trabalharão com projetos definidos e não com eventos esporádicos e aleatórios. E, mais: disponibilizarão departamentos técnicos para confeccionar projetos, junto com os diversos artistas da região ,com o intuito de os encaminharem para aprovação dos órgãos competentes. O Frevo “Viva Zé Maia” de Abidoral Jamacaru será o hino do Carnaval cratense que volta a ser o mais animado de todo Ceará. Nossa arte , por fim, terá visibilidade dentro da nossa própria terra e , assim, ela inundará o país . Sim, e a partir de hoje todos os sons dos carros endoidarão a platéia pela qualidade da música e não pelo volume. Quer mais um sonho ? Caboclo só vai ter coragem de ler livro de auto-ajuda à noite, na Baixa Rasa, no escuro de breu e de óculos escuros e Neguim só vai ouvir banda de forró , em cima da serra e de headfone, por causa do impacto ambiental! Tá bom ?
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