por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 20 de agosto de 2011

A Arte e o Sonho - por Barbosa Tavares




D efinir, ou melhor, tentar definir a arte, sempre se me afigurou permanente fascínio, porque, radicando no homem, supera-o naquele recesso da alma onde confluem a mística e a metafísica, onde o deslumbre e emoção aspiram raiar o infinito.

Vulgar é, afirmar-se que a arte simboliza um esforço de transcendência, tentativa de superar a temporalidadade, tocando o sonho num desejo obstinado de enlaçar o Divino ou a Ele tecer as loas de um encantamento.

Creio que o esforço criativo alimenta-se, sobretudo, no cântico da contemplação do homem sobre o seu mistério, na indecifrável perplexidade do ser perante o sopro de vida que lhe coube em partilha cosmogénica.

A autêntica arte será eterna, porque nela consubstancia os arroubos, temores e encantamentos do homem—defronte de si própio--na sua inebriação perante a magia da vida.

Nela se consagra um imaginário, num mundo onde o sonho se cruza com o cinzel, tela ou o poema, para infundir à vida, em ascensão pro-ascética, as auríferas tonalidades de um cântico ao Absoluto. Compreende-se, a esta luz, que as catedrais, igrejas e conventos, encerrem a arte no seu esplendoroso zénite, porque, aí, o homem se abeirou de Deus e, inebriado, cantou-Lhe o esplendor, ao lavrar em pedra o cinzelar da beleza, humanamente absoluta.

Expressão máxima do sonho do sonho—pela sua inantigibilidade perene--a arte situa-se para além, naquela região do espirito em que a perfeição está sempre um degrau para lá de toda a possivel criatividade. Fascina-nos, porque é inexaurível. O poeta ou filósofo, ao afirmar que os nossos sonhos extravasam a vida e a superam na incapacidade da sua absoluta realização foi no mínimo, um pensador eximio na sagacidade e perspicaz na compreensão da alma. Ora, o mesmo se poderá afirmar da arte, isto é, do esforço de transcendência permanente na absoluta incapacidade de a superar.

A mais autêntica e laboriosa expressão artística, habita no cerne do sonho. Deste à arte não vai maior distância que aquela que vai da mão do artistta que executa o retábulo, do pincel que matiza um sentimento ou do poeta que transmuda na palavra a emoção que lhe harpejou a alma.

Nela reside o seu alimento e vitalidade. Sem emoção, sem o sopro do sentir, sem a sinfonia do espírito, a arte está desde logo condenada ao malogro.

Na sua expressão mais abrangente, a arte é um cântico de inebriação, sobretudo essencialmente, um acto de amor, um dos poucos meios passíveis de superar a nossa brevidade, rasgando no mármore das palavras a memória de um além-tempo, para aí fazer prevalecer um olhar dorido ou extasidado sobre a vida.

Não se exige ser artista para compartilhar a nona sinfonia de Bethoven ou inundar o olhar de êxtase na Pietá de Miguel Angelo. Ter arte é, nao só criar, mas outrossim, saber fruir e vibrar na criação artística de outrém.

O verbo, esculpido na paixão, inebriado pelo cântico da vida, é a constatação de que aspiramos a muitissimo mais do que somos, cinzelando na memória eterna da arte a efemeridade do tempo que se esgota e nos esgota.

Um artista: poeta, músico, escultor ou contista, aspira adejar no seu espaço criativo em busca de novas concepções de beleza, capturar o inefável, esgotar na palavra ou no cinzel uma imagem: a emoção, no refluir da emoção, no tempo de um sentir inebriado.

O sol, o mar , o arvoredo, os pássaros , os vales e o vento foram criados para nele estremecermos perante a sábia mão que soube fazer refulgir na emoção humana, o esplendor da vida, o enamoramento da natureza, que vai do riacho à nuvem, encalavitada sobre os níveos flocos de algodão.

Que outro artista, maior que o Criador, ao aspergir no homem o desejo de aspirar à divindade?

Razão porque toda a arte encerra a expressão sublimada do imaginário, através do verbo, da harpa, do cinzel do nosso humanismo adejando em torno do Divino.

Brampton, 1994
Antonio Barbosa Tavares

Nenhum comentário: