em pleno cipoal senti-me mais humano,
não como uma categoria, classe ou símbolo.
apenas mais humano, mais junto à areia,
olhos d´água, tronco ramificado, humano.
na enseada, aberta pela foz do rio Curu,
minha alma se diluiu na América Latina,
um sopro de Calibans, um tempo das Amazonas,
meia janela dos Andes entre eu e o Pacífico.
uma raiva imperial que sangra no Orinoco,
e explode nos canhões das águas ensangüentadas.
um Paraguai inteiro em carnes e a tríplice aliança,
acasala um século inteiro com o futuro.
apenas um duodécimo da vida e lá estou,
inteiro, sem preço, nem gesto ou discurso,
por trinta dias de um ano a Via Láctea domina,
na planície da Piriquara pasto vida como um jegue.
nas noites escuras, os ventos balançando com o coqueiral,
o inusitado da orquestra de sapos nas margens alagadas,
os vaga-lumes piscando os séculos de arcaico nordeste,
tão estranho como o vulcão silenciado que de repente explode.
na noite morena, o deserto do território convida ao encontro,
não entre eu e minha solidão, mas ao complemento do que sempre faltou-me,
ela, cheia de estrelas como o céu, soprada como os ventos, cheia como as marés.
e o amor é eterno, como o é a vontade de sempre por ali ficar e reproduzir-se.
a confluência entre nós e a vida pode ser passageira: apenas um mês,
mas não deixa de ser uma fração com numerador variando necessidades,
e o denominador comum que nos iguala no tempo e no espaço,
eu, tu, as crianças, os velhos como parte de toda a via Láctea.
Paracuru, como um dia nesta mesma rua prometi,
serei humano, latino americano, nascido no Crato,
me alongando no duodécimo, que sobra, pelo Rio de Janeiro.
Uma trindade urbana que une os fragmentos da modernidade.
(José do Vale)
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