Guerrilheiro, andarilho do terceiro mundo, político de seiva, erudito, universal como a cratera de um vulcão, vivente de muitas vidas numa apenas, cratense inconcluso, Everardo Norões é um dos poetas mais maduros da geração do pós guerra. E muito sério.
Isto é, quem olha Everardo na ambiência social, encontra uma sisudez herdada. Aproxime-se e descobrirá um verbo que tem aquilo que Eça de Queiroz dizia do português falado no Brasil: tem a doçura da cana. Mas não procure que se cristalize definitivamente, logo ele se liquefaz e toma outras formas. Por isso tão múltiplo como dito no início.
Ia me esquecendo dizer de quem herdou. De Plínio Norões, o seu pai, quem o mundo movia-se por quereres, mas também por aleatoriedade. Nem acaso apenas como necessidade somente. A sisudez como atenção pelo momento em curso.
Lembre de um poema de Everardo Norões em seu “Retábulo de Jerônimo Bosch”:
Orley
Ele cruzava
as pontes do recife
em direção à Abissínia.
Nós o seguíamos:
havia sempre um cais,
um segredo,
o elixir das noites mortas.
Aprendíamos
a verdade incompleta,
o sortilégio dos desenganos,
as formas de penetrar,
(de leste a oeste)
a pálpebra das coisas.
Sempre um átomo a pulsar
no vidro,
no sexo,
nos móveis da casa:
a substância mais viva
do esquecimento.
Digo:
o silêncio é uma rua
de janelas fechadas.
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