por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 29 de agosto de 2014

QUANDO A MATÉRIA PRIMA DA ALMA É A LAMA. - José do Vale Pinheiro Feitosa

Ofereço este texto ao Dr. José Flávio Pinheiro Vieira pelo seu presente que nos deu apenas por existir. Também pelas nossas recentes conversas sobre tempo, espaço e personagens.


A inclinação matinal do sol, entre o galho três metros acima do solo e o próprio solo, ilumina o frágil e solitário fio da tecedura da aranha. Brilhante como uma prata polida. Tão fino e imperceptível como um único raio solar.

A casca grossa da mangueira na vizinhança onde o fio balança ainda não deu conta desta ponte iluminada. Não rompeu a fragilidade do liame. É que o endurecimento rijo do caule é um amontoado cicatricial de uma verdade há muito morta.

O fio prateado é o cruzamento entre a luz temporária, o momento do olhar e o percurso aéreo da aranha criando vias por onde andar acima do rés-do-chão. E nem os ventos animados do litoral rompem o fio deste ponto a ponto. O fio balança, quase laça, mas não quebra.

E a verdade lassa que habita sob as vestes corrompidas, debulhada em negócios, sempre com os anéis, resguardados no último artelho da mão, em oferta do ósculo humilde. A reverendíssima promessa do sótão, onde todos um dia se encontrarão, enquanto os alicerces são vendidos pedra a pedra. Até que descarnada da pétrea construção, nada mais é. Apenas cinismo e negócios.      

Mas então por todas as ruas, de todos as cordas vocais se perguntam onde se encontra a matéria prima da alma? Mas se a espiritualidade pudesse descobrir o núcleo que carrega os estandartes, que do peito grane as loas ao salvador, na matéria prima apenas lama. Tão somente esta pasta que reduz o atrito das sucessivas trocas negociais.  

Na matéria prima de lama, dada a umidade, costumam crescer os germens. E da lama se faz pântano e do pântano evolam-se os ares pestilentos. Ares que roubam a luz do sol com a enlodar o futuro da comunidade. E nas sombras se eternizam na corrupção mais abjeta.

Os corruptos de dedo em riste bradando a corrupção alheia. Tão conscientes são, tão atraídos vão, que nas sombras constroem os arabescos que disfarçam a realidade. E com estes arabescos, como tábuas da salvação, acertam as cabeças da multidão para que todos se ajoelhem diante dos mantos luminosos da sua corrupção enfeitada como fantasia.   

Por isso suas palavras ferem com a casca grossa da mangueira. Arranham a pele e geram cicatrizes. Mas ali da mangueira apenas um destino lhes espera que é tornar-se pó de madeira por duas vias. Abandonada ao solo e às chuvas e úmidas se dissolverem.

Ou apenas a celulose que lhes resta alimentar os cupins naquele agir coletivo.

E o fio da aranha, mesmo partido, logo será nova trilha prateada.


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