Ofereço este texto ao Dr. José Flávio Pinheiro Vieira pelo seu presente que nos deu apenas por existir. Também pelas nossas recentes conversas sobre tempo, espaço e personagens.
A inclinação matinal do sol, entre o galho três metros acima
do solo e o próprio solo, ilumina o frágil e solitário fio da tecedura da
aranha. Brilhante como uma prata polida. Tão fino e imperceptível como um único
raio solar.
A casca grossa da mangueira na vizinhança onde o fio balança
ainda não deu conta desta ponte iluminada. Não rompeu a fragilidade do liame. É
que o endurecimento rijo do caule é um amontoado cicatricial de uma verdade há
muito morta.
O fio prateado é o cruzamento entre a luz temporária, o
momento do olhar e o percurso aéreo da aranha criando vias por onde andar acima
do rés-do-chão. E nem os ventos animados do litoral rompem o fio deste ponto a
ponto. O fio balança, quase laça, mas não quebra.
E a verdade lassa que habita sob as vestes corrompidas,
debulhada em negócios, sempre com os anéis, resguardados no último artelho da
mão, em oferta do ósculo humilde. A reverendíssima promessa do sótão, onde
todos um dia se encontrarão, enquanto os alicerces são vendidos pedra a pedra.
Até que descarnada da pétrea construção, nada mais é. Apenas cinismo e
negócios.
Mas então por todas as ruas, de todos as cordas vocais se
perguntam onde se encontra a matéria prima da alma? Mas se a espiritualidade pudesse
descobrir o núcleo que carrega os estandartes, que do peito grane as loas ao
salvador, na matéria prima apenas lama. Tão somente esta pasta que reduz o
atrito das sucessivas trocas negociais.
Na matéria prima de lama, dada a umidade, costumam crescer
os germens. E da lama se faz pântano e do pântano evolam-se os ares pestilentos.
Ares que roubam a luz do sol com a enlodar o futuro da comunidade. E nas
sombras se eternizam na corrupção mais abjeta.
Os corruptos de dedo em riste bradando a corrupção alheia. Tão
conscientes são, tão atraídos vão, que nas sombras constroem os arabescos que
disfarçam a realidade. E com estes arabescos, como tábuas da salvação, acertam
as cabeças da multidão para que todos se ajoelhem diante dos mantos luminosos
da sua corrupção enfeitada como fantasia.
Por isso suas palavras ferem com a casca grossa da
mangueira. Arranham a pele e geram cicatrizes. Mas ali da mangueira apenas um
destino lhes espera que é tornar-se pó de madeira por duas vias. Abandonada ao
solo e às chuvas e úmidas se dissolverem.
Ou apenas a celulose que lhes resta alimentar os cupins
naquele agir coletivo.
E o fio da aranha, mesmo partido, logo será nova trilha
prateada.
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