Não imagine que a grande diferença de desenvolvimento entre
os países depois dos anos 50 foi um diferencial histórico de sempre. Segundo
recente artigo de José Fiori a Argentina entre 1870 e 1920 estava entre as
grandes economias do mundo. Depois dos anos 30 mudou o rumo. Os EUA balançaram
a depender das décadas de observação: seja surto industrial dos Estados
Nortistas ou se fosse visto durante a recessão, isso contando que foi ali que
se inventou a maior indústria de sonho e fantasia que foi Hollywood que
escamoteava a real situação do povo americano nos anos ruins.
A verdade é que a história cultural e, particularmente, da
música expressou igualdades que evoluíram na segunda metade do século XIX e
durante todo o século XX. Os músicos se tornaram uma grande vanguarda de
migrantes rurais ou oriundos da escravidão onde existiu e que vieram formar a
urbanidade das nações. Isso quer dizer que nesta raiz de pobres oriundos dos
sertões e da classe média baixa já existente nas grandes cidades é que nasceu a
base cultural da música, particularmente da brasileira.
A vinda de europeus, das casas de dança, das dançarinas, de
músicos e das polacas fez do Rio de Janeiro e São Paulo uma base de recepção de
ritmos e canções que aqui se adaptaram e se desenvolveram. Um dos estilos
criados neste início da formação urbana brasileira é o que se denominou
marchinha de carnaval. Inaugurada com o Abre Alas de Chiquinha Gonzaga a
Marchinha de Carnaval se tornou um das grandes manifestações culturais entre os
anos 20 e 60 em todo o Brasil.
A Marchinha de Carnaval contava a expectativa das pessoas em
relação à política, à economia, aos costumes, aos problemas urbanos, às
inovações do mundo, aos eventos históricos e assim por diante. Nada se tornou
mais uma narrativa cronológica da vida urbana do que a marchinha. Mas voltando
a um dos aspectos da sua origem vamos ouvir o Pé de Anjo.
A música foi gravada nos anos 20 para o Bloco Fala Meu
Louro. Aqui ela foi na voz de Blecaute. Segundo se diz a marchinha, ainda em
ritmo lento que depois veio se acelerando, foi uma chupada de Sinhô numa destas
músicas vinda pelos europeus e a letra refletia a disputa do compositor que
frequentava a Cananga do Japão, uma casa de dança da Praça XI onde pontificavam
os “baianos” da casa da Tia Ciata entre eles o Pixinquinha. Segundo se diz a
música era uma gozação ao irmão do Pixinquinha que tinha o pé de tamanho
avantajado.
E esta Mamãe eu Quero da dupla Jararaca (José Luiz Calazans)
e Ratinho (Vicente Paiva) que vivia sendo presa pela ditadura de Vargas.
Mamãe eu quero mamar é a grande crítica à extensa mamata que se criou em
torno da política e burocracia de estado. A dupla foi na veia como ouvimos.
Um pouco no estilo, mas já enveredando pela crítica aos costumes, é
esta Sassaricando que vem abaixo.
Aqui cantada pela famosa vedete dos anos 40 e 50 Virgínia
Lane Sassaricando se tornou título de novela da Globo e depois um musical que
arrastou muitos corações cariocas em anos recentes. Música do grande compositor
Joaquim Antonio Candeias Júnior que tinha um senso de crítica social inigualável.
É dele aquela famosa Lata D´água na Cabeça.
A lua é dos namorados de Klecius Caldas, Brasinha e Armando
Cavalcanti. com Ângela Maria.
A música é uma crítica ao avanço da exploração espacial e a
corrida entre russos e americanos para pousarem na lua pela primeira vez.
Lembro de uma noite, tentando voltar para casa, um dia de carnaval. Ali por
volta das 21 horas e passo perto da Igreja de São Vicente e escuto em
amplificadoras instaladas na rua Senador Pompeu, talvez no Clube da Rapadura e
voz de Ângela Maria denunciando o fim dos luares do sertão.
E tinha pensado naquela Corre Corre Lambretinha ou no Homem
da Vassouras com João Dias para marcar o aspecto dos costumes e da introdução
de tecnologias no estilo de vida ou o discurso político. Não conseguindo acha-las
para exemplificar me agarrei a esta Me Dá Um Dinheiro Aí dos irmãos Homero,
Glauco e Ivan Ferreira um sucesso com Moacir Franco. Mas bem que poderia ser o
Bigorrilho (Paquito, Romeu Gentil e Sebastião Gomes) e cujo nome virou uma
incógnita como a famosa “Tonga da Mironga do Cabuletê”.
E essa Marcha Rancho de Humberto Silva e Paulo Alves Sette
cantada por Marcos Moran pegando na saudade da quarta feira de cinza. Do meu
ponto de vista poucas canções representam tão bem o espírito entre Eros e Tanatos
que parece pairar sobre o carnaval e suas marchinhas. Com essa música encerro
simbolicamente o fim histórico da marchinha.
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