por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O efeito Kirlian em certa República estudantil da Fortaleza dos anos 70 - José do Vale Pinheiro Feitosa

Vou citar nomes de pessoas que provavelmente conheçam ou não: Jackson Sampaio professor da Universidade Estadual do Ceará; Gianni Mastroianni, médico endoscopista gástrico morando em Fortaleza, Barreto o qual só lembro o sobrenome, é publicitário e jornalista e pelo que sei mora em Teresina e o rebelde, filósofo e viajante da alma que acabo de esquecer o nome. Viviam numa república num bairro próximo da Faculdade de Medicina de Fortaleza. Freqüentei muito aquela república para tertúlias políticas clandestinas e culturais rebeldes.

O Tarcísio Tavares, o nosso querido Tarcisinho, médico cratense andava por ali, o Geraldo Acioly, Geraldinho que andou pela França e o reencontrei num governo petista em Fortaleza; o Marcos Penaforte, ex-deputado e secretário de Saúde do Ceará, o César Penaforte, irmão e hoje fazendo doutorado na Holanda; um quadro do Pecezão, o Cândido, com seu tronco dobrado para frente e os olhares laterais e para trás em busca dos agentes da ditadura em perseguição dele. O Tarcísio Baturité, morou muito tempo no Crato na casa de um tio que era funcionário da SUCAM, é médico, além do cronista e escritor Airto Monte. E muitos mais além da Lêda Araripe, médica psiquiatra, o José Wellington de Oliveira Lima, grande bioestatístico da UFC e José Wellington que o distinguíamos pelo sobrenome de Piauí, professor de Epidemiologia da Escola Nacional de Saúde Pública.

O ambiente nem se fala. Uma casa de subúrbio, com varanda, três quatros, uma sala e uma cozinha para esquentar água para o nescafé e leite em pó. Açúcar? Sem refino, em grumos e quase um formigueiro a passear no açucareiro. As baratas? Já sabemos, são covardes e não se dão à vista, a não ser para as mulheres. Uma casa despojada, algumas camas patentes de mola e muitas redes. Na porta o indefectível fusquinha cor de goiaba do Gianni Mastroianni. Com este descobrimos o universo de pores de sol na praia da COFECO, desembocadura do rio Cocó, das nuances de cores na borda do escurecer e o supremo da descoberta: a lua não era bidimensional. Era um perfeito 3 D (está na moda não?) aos nossos olhares filosóficos nas brumas que tanto mexeram com o “desbunde”.

Isso mesmo o “desbunde”. A reação do sistema na alma daquela juventude rebelde, estudiosa do marxismo, com profundo senso de urgência na mudança do status quo social e econômico do país. Não houve um só vetor para atingir amplamente aquela inegável adesão ao sistema ao mesmo tempo em que a “consciência ecológica” e “espiritual” avançava sobre mentes racionais e disciplinadas no materialismo histórico.

Este ambiente foi mais intenso no meu último semestre na capital cearense, a banda derradeira de 1972. E os debates eram imensos, intensos e freqüentes. Lembro da “seriedade” e do “horror intelectual” do nosso querido Jackson Sampaio. Junto com a infiltração de temas que tomaram vulto nas preocupações humanas ao correr do tempo como o desequilíbrio ecológico e outros espirituais que viraram moda, com apegos sinceros e outros escapista diante da época mais cruel da ditadura. Além do mais corria um bom debate sobre estética e, claro, diante de certa rebeldia underground muito que havia na cultura desde as roupas e os cabelos.

Um livro que marcou o “desbunde” daquela geração universitária em Fortaleza foi “O Despertar dos Mágicos” do jornalista francês Louis Pawles em parceria com Jacques Bergier. Um contraponto estimulante para certa “rigidez” da lógica e racionalidade de nossa militância política. Mas sem dúvida uma grande aventura escapista para a leitura histórica dos conflitos políticos, sociais e econômicos que vivíamos. Aí o debate corria madrugadas e os mais ortodoxos chegavam ir aos limites do medo com o fascismo.

Não foi sem razão que as religiões orientais entraram na vida daquela juventude que não encontrava mais novidades nas velhas crenças do ocidente. Junto com as porta das percepções da “Ilha” de Aldous Haxley subiram de valor os “experimentos” do “nirvana” e da “consciência cósmica”. E foi numa desta que os primeiros passos daqueles neófitos da grande viagem se viram expropriados por um hippie paulista e uma companheira uruguaia que prometiam a mais pura de que os Guajajaras do maranhão eram capazes de colher. Muita gente deixou de chegar perto do êxtase sob a mangueira de bruma rosa. O danado do hippie quase que rouba o enlevo da Cléo e Daniel do escritor Roberto Freire.

Aí a acumulação capitalista ocupou o espaço. Ou melhor, o negócio viu a oportunidade e inventou uma revista chamada Planeta. Que se diga de passagem não era menos honesta do uma Super Interessante da vida. Queria desvendar os mistérios do universo e convenhamos os mistérios são muito mais estimulantes dos que a aridez de complexos problemas humanos na crosta deste planeta incerto e de uma sociedade desigual. Uma técnica para dar credibilidade às “teses” da revista Planeta já não pode ser utilizada nos tempos atuais.

Toda teoria de poucas evidências, recheada com fatores de confusão e associando coisas apenas por que estão presentes no tempo e no espaço, do tipo os “deuses eram astronautas”, tinha um mote certo para se mostrar inquestionável. Eles diziam que a União Soviética atéia havia testado aquilo e concluíra pela verdade. Pronto, estava feita a prova, ler em russo não era para ninguém e menos ainda quem lesse não conseguiria ter acesso a textos da ciência russa naquela época mais intensa da guerra fria.

Uma das referências era o Efeito Kirlian que fotografava a aura das pessoas. Aqui estamos entre o budismo e o espiritismo kardecista. Aliás, o efeito Kirlian não foi descoberto por ele: foi descoberto pelo padre porto alegrense Landell de Moura em 1904. Muita gente adere ao pensamento e se encanta com as imagens luminescentes extraídas com a técnica Moura/Kirlian. De fato esteticamente têm um efeito arrebatador e permite extrair momentos de êxtase nas pessoas mais sensíveis.

A questão é que a técnica tem a mesma capacidade de enriquecer o olhar como existe com os raios x que até permitem aos médicos que conhecem a anatomia humana estudar problemas de saúde em órgãos internos que os olhos não enxergam. Agora mesmo existe uma nova técnica de ultrassonografia, desenvolvida para estudar a composição do queijo em queijarias francesa e que tem mostrado capacidade superior à própria biópsia hepática para estudar evolução de doenças hepáticas.

O efeito Kirlian, que é fotografar objetos submetidos a campos elétricos de altas voltagens e frequência e de baixa intensidade de corrente, encontra luminescências belas tanto nas pessoas, quanto nos animais, plantas e também em materiais inorgânicos. Embora os russos tenham em conta que podem estudar alguns efeitos emocionais e de saúde, nada é definitivo, mas o valor estético é notável. Basta procurar na internet que veremos belas imagens.

Quanto àquela república, acabei de telefonar para um dos moradores dela e nem ele foi capaz de lembrar o nome esquecido do nosso querido rebelde e viajante da alma. Contou-me o Geraldinho, muitos anos após, que um dia, numa das aulas terríveis de estruturalismo na faculdade de filosofia, o nosso esquecido levantou-se de repente e com as mãos sobre a cabeça, que parecia ferver, disse: ai meu Deus que saudades da minha jumentinha lá em Jaguaribe.

Um comentário:

socorro moreira disse...

A arte de escrever constroi para nós um túnel.
Viajamos no tempo.
O passado visita o presente, e o transforma com ideias que nos escaparam .
Sempre bemvindo, este grande didático escritor!