Meu caro Edgar Poças, já o teu tempo andou mais dois anos que o avô de Sofia, ela aponta o dedinho e pede que toque Ursinho Pimpão. Põe a mão no queixo como aquelas fotos da década de trinta e sonha na música.
Logo que as notas iniciais começam e a voz infantil de Simony as canta, os olhos vagalumeiam como nas noites ancestrais dos sertões. E algo espetacular ocorre: Sofia, diziam-me, é de agora e quem o é não se conecta com a música do passado. E agora, Edgar Poças? Como explicar Sofia querendo ouvir tantas vezes esta mesma canção?
Ela abre um sorriso como se encontrasse a seiva que sai do centro do mundo. A seiva que bebida explica tudo. Inclusive ela. Ela e sua abertura de tempo. Seu tempo que inventa relevos e histórias sobre ele.
A nascente brota abaixo da construção imensa da montanha e Sofia coleta todo este movimento. Enche-se de meiguice com a vida. Os olhos mexem para cima e para baixo confirmando o alvo daquele momento.
O avô ao lado transfere o calor do seu corpo vivo. Sofia compreende o calor e deita a cabeça ao peito grande dele se ao corpo pequenino se comparar, mas irrelevante para a imensidão daquele momento dela.
Ela não deita a cabeça por descanso, ao contrário, é por concentração e enlevo sobre a superfície tosca a que o avô se acostumou pisar. A superfície das coisas úteis, das regras pragmáticas, dos objetivos mensurados.
Todo o peso do corpo dela se encontra como gravidade ao tronco do avô. Mas certo que alguma fração da força G se subtraiu e foi para o rosto feliz de Sofia. Aquela felicidade que permeia os modos de infinitamente: o grande e o pequeno.
Tudo, meu Caro Edgar Poças e sua composição Ursinho Pimpão, flui bem agora, junto com estes sinais gráficos. A recordar aquele momento de grande descoberta, da criança com menos de três anos de idade achando o mesmo ponto que Arquimedes desejou para mover o mundo.
O mesmo ponto em que seu rostinho de novidade sonhava um sonho muito além da linha do horizonte do seu avô. Muito depois do que dizia as manchas solares, as rugas e as evidências das veias tortas sobre o dorso da mão e braço do avô que abraçava Sofia.
por José do Vale Pinheiro Feitosa
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